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Quando Lençóis Paulista se chamou "Ubirama", e o que isso significa

Por que Lençóis passou a se chamar "Ubirama"? E o que essa palavra significa?

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No dia 3 de maio de 1948, na 4ª Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Lençóis Paulista (à época Ubirama), o presidente Gino Augusto Antônio Bosi apresentou aos vereadores um abaixo assinado da população pedindo a troca do nome da cidade, de Ubirama para Lençóis Paulista. Consta na ata:

"Aos três dias do mês de maio de mil e novecentos e quarenta e oito, realizou-se a quarta sessão ordinária na sala das sessões da Câmara Municipal de Ubirama. [...] o sr. Presidente pediu ao 2º secretário, Virgilio Capoani, para fazer a leitura de 2 abaixos assinados enviados à Assembleia Legislativa do Estado, sendo que o primeiro é dos moradores do Bairro Barrinha, desmembrado em 1938, que agora pleiteiam a sua volta a este município, e o 2º é da população de Ubirama, pedindo a troca do nome de Ubirama, para Lençóis Paulista." Trecho do Livro de Atas que compreende o ano de 1948, arquivado no acervo histórico da Câmara Municipal de Lençóis Paulista.

A mudança havia acontecido oficialmente em 30 de novembro de 1944, quando o Interventor Federal no Estado de São Paulo, Fernando de Sousa Costa (1886-1946), publicou o Decreto-Lei 14.334, fixando a nova divisão territorial do período de 1945 a 1948.

 

O REMAPEAMENTO DO BRASIL

Antes uma prerrogativa do Congresso Nacional, a Constituição de 1934 passou a responsabilidade da definição dos limites do território nacional para a União. O presidente Getúlio Vargas (1882-1954), antes do golpe de 1937, criou o Instituto Nacional de Estatística e, quando já se encontrava como ditador, decretou, em 2 de março de 1938, o remapeamento do território.

Em 1943, o Decreto-Lei 5.901 estabeleceu as normas que deveriam ser seguidas no projeto desse novo mapeamento, inclusive a escolha de novos nomes:

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição, DECRETA:

[...]

Art. 7º Ficam estabelecidas as seguintes normas para a eliminação, no País, da repetição de topônimos de Cidades e Vilas, a efetivar-se no novo quadro territorial em preparo:

      I - Quando duas os mais localidades tiverem a mesma denominação, esta prevalecerá para a de mais elevada categoria administrativa ou judiciária, na seguinte ordem de precedência: Capital, sede de Comarca, sede de Têrmo, sede de Município, sede de Distrito.
      II - No caso de haver mais de uma localidade da mesma categoria com o mesmo nome, êste será mantido naquela que o possuir há mais tempo.
      III - Como novos topônimos, deverão ser evitadas designações de datas, vocábulos estrangeiros, nomes de pessoas vivas, expressões compostas de mais de duas palavras sendo, no entanto, recomendável a adoção de nomes indígenas ou outros com propriedade local.
      IV - Não se consideram nomes novos, e portanto não estão sujeitos ao disposto no item precedente, os casos de restabelecimento de antigas designações ligadas às tradições locais, vedadas, porém, as composições de mais de três palavras.

Parágrafo único. Exceções a essas normas, no que toca ao direito de prioridade na nomenclatura, serão admitidas, se ocorrerem motivos imperiosos, mediante acôrdo entre os Governos das Unidades Federativas interessadas.

 

A OUTRA LENÇÓIS

Lençóis precisaria trocar seu nome, já que havia no estado da Bahia uma outra localidade da mesma categoria que se chamava "Lençóis", e sua fundação era anterior à nossa.

Bandeira do Município de Lençóis, na Bahia.

Bandeira do Município de Lençóis, na Bahia

 

Foto do livro de atas do diretorio, um livro muito antigo.

Para isso, a cidade montou o Diretório Municipal de Geografia e Estatística, já que Vargas havia extinto o Poder Legislativo no Estado Novo, que foi composto pelo presidente Bruno Brega, o secretário Evaristo Canova e os membros Ângelo DelgalloLídio BosiElizario Marciano da SilvaJoão Baptista Vianna Nogueira e Paulo da Silva Coelho.

Nas atas do Diretório, no entanto, a única menção à mudança do nome é encontrada na cópia de um ofício que foi enviado ao interventor federal José Carlos de Macedo Soares (1883-1968), sugerindo os nomes “Rio Lençóis” e “Lençóis-Paulista”.

A primeira vez que as atas mencionam o nome “Ubirama” já é quando registram a sessão solene que foi feita no início do ano de 1949 para inaugurar o novo quadro territorial. Aparentemente, a decisão veio de cima, ou então, a conversa que levou a ela não foi registrada nas atas.

 

O SIGNIFICADO DE UBIRAMA

O jornalista e historiador Alexandre Chitto (1901-1994), na época da mudança, parecia acreditar que o nome significava “Terra da Cana”, informação repetida em 1955 pelo professor Laudelino de Lima Rolim na descrição do brasão de armas que desenhou para Lençóis Paulista, na Lei 189, de 20 de janeiro de 1955.

Porém, anos depois, o mesmo Alexandre Chitto que havia escrito sobre a “Terra da Cana” já não tinha mais tanta segurança nessa tradução, e, para um de seus livros, adotou a explicação que J. David Jorge (Aimoré) deu no jornal Correio Paulistano, na edição de 26 de agosto de 1948:

Ubirama - Vocabulo composto de origem tupiniana. Este termo pode ser interpretado por varias formas:
1º - Estimavel ventura. De Ubi, estimavel, preferivel, e rama, ventura (no norte do país, ventura é catuçáua ou catuçaba).
2º - Estimavel região. De Ubi, estimavel, e rama, região, país, patria (conforme os casos, tambem ocorrem: tetama, retama, tama, tetã, etc.: terra, patria, região).
3º - A verde região, equivalendo a "região das matas, dos bosques, das florestas". De Ubi ou Obi, verde, e rama, região, patrias, etc.. Entre os selvicolas do Amazonas e Pará, o termo que designa o verde é Iakira.
4º - Região das terras, se Ubi estiver por Yby, pois era frequente na lingua tupí a permuta do Y ou I pelo U. Exemplos: Ibirajára, Ubirajara; Iberába, Uberába; Ibirá, Ubirá; Itú, Utú; Taubaté, Taibaté, etc., etc..
A palavra portuguesa "Lençóis", traduzida para a Lingua Geral é: IA-MIÇAUA-ETA.

Então, com a ajuda de documentos históricos como exemplares antigos de jornais e dos dicionários do Dicionário tupi (antigo) - português, Moacyr Ribeiro de Carvalho,1987; Dicionário de tupi antigo: a língua indígena clássica do Brasil, Eduardo de Almeida Navarro, 2013, e Dicionário da língua geral no Brasil, Cândida Barros, Antônio Luís Lessa, organizadores, 2015; podemos chegar às traduções a seguir.

Em primeiro lugar, RAMA é a parte comum de todas as traduções, e vem, muito provavelmente, da palavra "TETAMA", que significa: terra, região, nação, lugar de origem. Já UBI pode ter muitas interpretações. Abaixo, uma seleção das traduções possíveis.

 

TERRA VERDE - Se "ubi" estiver para OBY, que significa verde, azul ou roxo. No tupi antigo, essas três cores tinham o mesmo nome, e, em certos casos, usava-se adjetivos para diferenciá-las.

TERRA DAS PALMEIRAS - Se "ubi" estiver para UBĨ, que os povos indígenas usavam para denominar vários tipos de palmeira. Uma história popular da cidade também conta que essa palavra dizia respeito à grande quantidade de um tipo de capim conhecido como "favorito".

TERRA DA CANA - Se "ubi" estiver para UBÁ/CANA-UBÁ/U’UBÁ, que é um nome que os povos indígenas davam à cana-de-açúcar, segundo Gabriel Soares de Souza em seu livro Tratado Descriptivo do Brasil em 1587, única fonte encontrada para essa possibilidade. É importante salientar que nos séculos XVI e XVII, a cana-de-açúcar era quase inexistente no Brasil, o que sugere que a palavra não vem do tupi antigo.

ESTIMÁVEL REGIÃO - De UBI, de acordo com Aimoré, estimável, agradável, atrativa, amável, encantadora. Essa tradução de “Ubi” não é encontrada nos dicionários de tupi antigo ou da língua geral consultados.

REGIÃO DE TERRA - Se "ubi" estiver para YBY, que significa terra, no sentido natural. A pronúncia do ípsilon no tupi antigo era um híbrido das pronúncias de I e U, como no U na língua francesa.

Uma placa de identificação de veículo muito antiga de lata, com corrosões.
Placa de identificação de veículos da década de 40 de Ubirama.
Parte do acervo do Museu Alexandre Chitto.

 

POR FIM...

Não dá pra saber com certeza o que quiseram dizer com “ubirama”, já que as informações de quem escolheu o nome se perderam no tempo. A escolha pode ter sido feita tanto pelos membros do diretório lençoense, que não registraram o processo em ata, quanto autoritariamente pelo interventor estadual, que também não explicou a escolha em nenhum documento oficial.

Não é possível saber nem se a origem é o tupi antigo ou a língua geral, já que a sugestão de usar palavras indígenas para os novos nomes não delimitava a escolha a nenhuma língua específica. Com a riqueza de significados, no entanto, é bem provável que “ubirama” venha mesmo do tupi falado pelos povos tupis e por grande parte dos colonizadores do litoral do Brasil nos séculos XVI e XVII.

 

LENÇÓIS DE NOVO

Depois da volta do Poder Legislativo e a reinstituição da Câmara Municipal, em 1947, Ubirama buscou regatar seu nome original pelo poder do povo. O abaixo assinado apresentado aos vereadores em maio de 1948 virou Resolução na 21ª Sessão Extraordinária daquele ano. Consta na ata da sessão:

O senhor Presidente, esclarecendo à Casa, declarou que esta sessão foi convocada exclusivamente para tratar deste assunto, que é de grande importância para o Município, pois tratava-se da troca do nome de Ubirama para Lençóis-Paulista, troca esta pleiteada pela população junto à Câmara dos Deputados Estaduais.” Trecho da pág. 31 do Livro de Atas que compreende o ano de 1948, arquivado no acervo histórico da Câmara Municipal de Lençóis Paulista.

Então, na véspera de Natal de 1948, a cidade teve seu desejo atendido pela Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo e pelo Governador Adhemar Pereira de Barros (1901-1969), que, ouvindo o clamor ubiramense, promulgou a Lei nº 233 que, atualizando o quadro territorial do estado para o quinquênio 1949-1953, devolveu aos lençoenses seu nome de origem, agora acrescido do "Paulista".

 

AGRADECIMENTOS

Edson Fernandes
Silviane Aparecida Sanches Sanches
Paulo Sérgio de Araújo
Meire Chitto
 
Arquivo Histórico Municipal de Lençóis Paulista
Arquivo da Câmara Municipal de Lençóis Paulista
Biblioteca Municipal “Origenes Lessa”
Arquivo Público do Estado de São Paulo
Museu “Alexandre Chitto”


Publicado em: 07 de junho de 2024

Publicado por: Comunicação

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Categoria: História da Câmara

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